Seigo Yamaguchi-sensei: “AIKIDO É TRABALHO DURO!” - por Andrzej Bazylko
- Agatsu Dojo

- 19 de set.
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Às vezes um encontro pode mudar toda a sua vida. Deixa uma marca que não poderia ser removida até o fim dos tempos. Para mim, um desses eventos tão extraordinários foi conhecer Seigo Yamaguchi-sensei (1924-1996). Assisti apenas a dois seminários conduzidos por ele, dos quais entendi muito pouco. No entanto a facilidade com que ele executava as técnicas e a beleza inusitada dos movimentos despertou em mim uma vontade irresistível de seguir o mesmo caminho, mesmo que não chegasse muito longe. Ainda hoje eu não sei que propósito isso teve, mas há uma espécie de saudade em mim por esse raro fenômeno que era o Aikido de Yamaguchi-sensei. Eu tenho sorte por ser um aluno de Christian Tissier-sensei – um dos melhores alunos de Yamaguchi-sensei. E também conheci outros de seus excepcionais alunos, como: Seishiro Endo-sensei (nascido em 1942) e Masatoshi Yasuno-sensei (nascido em 1948). Eu escrevi sobre isso no artigo "Carona para o Sensei" (Budojo No. 1).

O Aikido de Yamaguchi-sensei está presente nas instruções de seus alunos, embora todos sejam muitíssimo diferentes entre eles. Ele conseguia obter o melhor de todos seus alunos. Ele não queria, no entanto, que eles o imitassem. Quando partiram para ensinar Aikido em outros países, não estavam em posição de ensinar o Aikido dele. Como se fora óbvio. Tinham conteúdo, mas eram incapazes de reproduzir. Tinham a fundação, sobre a qual poderiam construir seus próprios edifícios. Só podiam falar em seus próprios nomes. Ele queria que eles fossem eles mesmos, não suportava seguir a multidão e valorizava pessoas que tinham suas opiniões próprias sendo capazes de sustenta-las. Nunca se apoiou na autoridade de O-Sensei. Dizia: "O-Sensei é O-Sensei, meu nome é Yamaguchi”. Isso não significa que ele não valorizasse seu próprio professor, pelo contrário, entendia que cada um deve assumir a responsabilidade pelos próprios atos e pelo que passa adiante aos demais. Quando alguém constantemente se apoiava na autoridade de um professor ele via como uma falta de maturidade. Se alguém quer ensinar aos outros, então deve primeiro crescer, para passar adiante às próximas gerações o conhecimento e habilidades que recebera. Deve saber escapar dos cuidados do professor, para ver com um olhar crítico o que foi aprendido. A técnica de Yamaguchi-sensei não era transferível, era compartilhada exclusivamente por ele, mas permitia que os praticantes construíssem algo próprio. Todo mundo é diferente e cada um pratica Aikido à sua maneira. Para fazer isso, no entanto, é preciso ter um guia. Yamaguchi-sensei era o guia. Não queria imitadores, mas sucessores que seguissem o próprio caminho.
A relação entre professor e aluno é algo especial, baseado em profunda confiança. Yamaguchi-sensei tornou-se aluno de O-Sensei em 1950. Anteriormente, ele pretendia se tornar um funcionário público. Ele até passou no exame que o habilitava a trabalhar para o governo. Queria administrar assuntos públicos ou trabalhar na esfera de relações internacionais. Ele também considerou a possibilidade de trabalhar em uma grande construtora. Por fim, decidiu partir, possivelmente para a Europa. A escolha mais provável era a França. Nyoichi Sakurazawa (George Ohsawa, 1893-1966), o criador da macrobiótica, que era amigo de seu pai e também amigo íntimo de O-Sensei, o aconselhou a se familiarizar com algumas formas tradicionais de arte japonesa antes da viagem. Ele deu uma carta de recomendação a Morihei Ueshiba-sensei. Conhecer uma figura tão extraordinária foi decisivo para o resto da vida de Seigo Yamaguchi-sensei. Tornou-se uchi-deshi de O-Sensei e decidiu dedicar-se exclusivamente ao Aikido. Esta foi uma escolha bastante incomum. Aqueles eram tempos difíceis do pós-guerra. As pessoas não estavam interessadas em Budo, apenas em assuntos vitais. Yamaguchi-sensei tornou-se o primeiro professor profissional de Aikido. Ele não tinha outra ocupação. Mais tarde, a situação mudou, porque as pessoas começaram a praticar artes marciais cada vez mais, resultando em novos clubes, e o Aikido tornou-se popular. Porém, no momento da decisão de Yamaguchi-sensei foi diferente. Era necessário ter uma visão clara do que se queria fazer na vida. Yamaguchi-sensei decidiu seguir o caminho apontado por O-Sensei. Certamente a habilidade de tomar decisões maduras, em não seguir o caminho fácil, separando as coisas importantes das triviais, ajudou a sobrevivência de Yamaguchi-sensei durante a guerra. Perto do fim da guerra, ele estava em um esquadrão kamikaze. Ele foi chamado à ação, muitos de seus companheiros foram mortos e ele estava preparado para seguir esses passos. E teria, se a guerra não tivesse terminado antes. A missão não se concretizou, mas era impossível que não influenciasse o resto da sua vida.
Yamaguchi-sensei tinha uma memória fotográfica. Ele poderia facilmente repetir qualquer movimento que observasse. O-Sensei não explicava as técnicas, ele simplesmente as mostrava. Tudo tinha que ser descoberto por conta própria. Certamente é muito mais difícil, mas permanece em nós para sempre. O movimento não é forçado por ninguém, torna-se nosso próprio movimento. Yamaguchi-sensei aprendia tudo como um raio. Logo depois de dois anos ele começou a ensinar. Ele seguiu seu próprio caminho, mas manteve um forte vínculo com seu professor e um profundo respeito por ele. Tornou-se um professor muito popular e teve muitos alunos, não apenas no Japão, mas também fora de suas fronteiras. Realizou numerosos treinamentos na Europa (primeiramente na França, em Paris, mas também na Alemanha, em Mannheim, na Grã-Bretanha, em Oxford, Suíça, Bélgica, Dinamarca), nos Estados Unidos, no Canadá e na América do Sul (Brasil, Argentina, Uruguai). De 1958-1961 ele ensinou Aikido na Birmânia. No Aikikai Hombu Dojo, em Tóquio, ele conduzia aulas especiais para praticantes de alto grau. Ninguém conseguia entender suas técnicas. Mesmo os professores do Hombu Dojo com os graus mais altos não foram capazes de descobrir como, sem o menor esforço, ele era capaz de executar qualquer técnica, independentemente do tipo de ataque e da pessoa que atacava. Aos olhos da maioria dos alunos da segunda geração de O-Sensei ele era considerado um gênio do Budo. Raramente acontecia de professores do Hombu Dojo frequentarem as aulas uns dos outros. Alguns deles compareciam, porém, às aulas ministradas por Yamaguchi-sensei, o que era um incomum sinal de respeito. Dentre eles incluíam, entre outros: Masando Sasaki-sensei (1929-2013), Mitsugi Saotome-sensei (nascido em 1937), Yoshimitsu Yamada-sensei (1938-2023) e Kazuo Chiba-sensei (1940-2015). Muitas pessoas sentiram que Yamaguchi-sensei, devido à sua grande popularidade e técnicas incomuns, deveria criar sua própria escola de Aikido. Ele não fez isso, no entanto. Ele considerava as divisões inúteis. Ele foi fiel à memória de O-Sensei até o fim.
Yamaguchi-sensei tinha um carisma incomum e um grande dom de instrução. Ele era um verdadeiro mestre das artes de combate. Até que alguém encontre um homem como ele, não se pode saber o que isso realmente significa. Isso é frequentemente atribuído a várias figuras famosas do mundo das artes marciais. Muitas vezes, essas avaliações são justas, mas baseadas em lendas e não na realidade, que permanece desconhecida. Às vezes, também atribuímos esses títulos a professores vivos. Talvez por conta da lacuna que nos distancia deles tecnicamente, em relação à experiência naquela esfera. Não obstante, acontece ainda, de rotularmos alguém assim de forma natural, como algo óbvio do qual ninguém pudesse duvidar. Este era o caso para Yamaguchi-sensei. Ninguém procurava saber que grau ele tinha. O importante era que era Yamaguchi-sensei. Alguns eram tão fascinados com a eficácia incomum, que parecia não haverem outras razões além dessa. Parecia que ao executar as técnicas de Aikido ele não obedecia nenhuma regra: não controlava a distância, tinha um centro de gravidade alto, parecia mover-se desajeitadamente, inclinando-se. Aparentemente fazia tudo o que os iniciantes deveriam evitar. A um observador externo pareceria que as técnicas não eram executadas na realidade, o Uke iniciava e toda ação consistia no jogo entre atacar e responder. Muitas vezes ouvi tais opiniões, até mesmo de Aikidoka que participavam de suas sessões de prática. Mas era diferente. Todos que tiveram a honra de atacar Yamaguchi-sensei sabem convictamente disso. Independentemente da força, velocidade, movimento, momento e quaisquer outros aspectos do ataque, o resultado era sempre o mesmo: cair mais rápido do que se poderia imaginar, muitas vezes sem nem entender como isso aconteceu. Yamaguchi-sensei nunca corrigia o ataque. Cada ataque era aceito. E atacante. Era pura harmonia, em adesão ao Aikido. O ataque ao mestre não era óbvio. Muitas vezes havia ansiedade dos resultados que atingiriam o atacante. Yamaguchi-sensei no dojo parecia um ser poderoso. Do lado de fora, ele se misturava à multidão. Aquele que teve a sorte, porém, de atacá-lo muitas vezes não tinha ansiedades. Era claro que o Sensei cuidava de tudo. Somente alguém que sentiu a execução sem esforço de uma técnica em resposta ao seu melhor ataque, possa talvez entender o que é o Aikido, essa arte marcial incomum. Poucos Aikidoka podem se orgulhar de tal experiência. Alunos de Yamaguchi-sensei tiveram essa boa sorte.
Um mestre das artes de combate ensina durante toda a sua vida. O ensino não ocorre apenas no tatame. Sua arte preenche toda a sua vida. Ele tem uma individualidade rica e está fortemente conectado com seus alunos. Yamaguchi-sensei tinha dois vícios: café e cigarros. Do primeiro conseguiu abrir mão, mas do segundo infelizmente não. Passava o dia sentado na cafeteria. Frequentemente, ele aparecia lá após o treinamento matinal e permanecia até tarde. Com ele lá, na maioria das vezes, seus alunos também apareciam. Yamaguchi-sensei era um homem de aprendizado. Seu pai era gerente de uma escola pública e tinha muitos livros que seu filho adorava ler. História, literatura, filosofia – essas eram suas áreas de interesse. Ele poderia conversar muito alegremente sobre esses assuntos. Se então algum aluno decidisse entrar na conversa, deveria estar seguro de si, ou iria parecer tolo. Essas conversas afiaram e moldaram os alunos de Yamaguchi-sensei, substancialmente. As conversas com o mestre, suas histórias durante o café, tinham para eles pelo menos tanto significado quanto o que se aprendia no tatame. Para todos os que conviveram com ele era claro o grande valor que dava para o encontro com as pessoas, estar na companhia dos outros. Muitas vezes refletimos sobre as coisas mais importantes que fazemos na vida, o que vamos deixar neste mundo. Lembramos de diversos fatos e eventos, mas muitas vezes descobrimos que o que realmente importa são as pessoas que tivemos a sorte de conhecer. Yamaguchi-sensei não se importava especialmente com condições materiais. Ele sempre, no entanto, encontrava tempo para estar com outras pessoas.
Yamaguchi-sensei tratava o Aikido com extrema seriedade. Em uma das aulas realizadas para praticantes com pelo menos 4º dan, após algumas sessões exaustivas, ele perguntou aos praticantes o que é Aikido. Várias respostas foram dadas: filosofia de vida, arte do movimento, forma de resolver conflitos, a arte de combate ou mesmo um meio de autodesenvolvimento. Yamaguchi-sensei declarou: "Aikido é trabalho duro!" Em cada resposta havia uma pequena parte da verdade, mas o Sensei queria enfatizar que a única forma de buscar a resposta era através do treinamento intensivo. Aikido é a linguagem do corpo. Não pode ser entendido teoricamente. Conversar é importante, mas o trabalho é o mais importante. Não depende, porém, totalmente de esforço. Não se trata apenas de cansar, mas também, e talvez antes de tudo, de estar sempre pronto para aceitar algo novo. A concentração constante é necessária não para repetir movimentos antigos, mas para aprender novos. Normalmente não ouvimos o que é dito pelo professor e não vemos o que é mostrado. Basta ouvirmos alguma frase de efeito bem conhecida e o resto encaixamos no que aprendemos anteriormente. Descansamos em velhos hábitos. Yamaguchi-sensei lutou contra esse tipo de atitude que era comum entre os Aikidoka. Exigia atenção. Ele repetia constantemente que o exercício "deve ter o espírito de principiante". Ele sempre percebia a falta de concentração dos alunos. Todos os presentes em seu treino queriam ser tomados como Uke, chamados a apresentar uma técnica, ou melhor, um conjunto de técnicas, porque o mestre raramente executaria apenas uma técnica por vez. Nas práticas do Hombu Dojo havia muitas pessoas e Yamaguchi-sensei geralmente tinha dois ou três Uke. Normalmente ele demonstrava com Yasuno-sensei, que tinha um quarto de sua idade. Se, entretanto, alguém parasse de prestar atenção, era imediatamente chamado pelo sensei ao centro. Quase sempre os potenciais Uke estavam prontos, atentos, mas Yamaguchi-sensei os chamava no momento em que não estavam. Seus treinos eram cheios de paixão. Não só antes era preciso estar atento, mas também durante a prática. Yamaguchi-sensei não distinguia as técnicas, não as analisava. Era mais um processo, uma conversa entre dois parceiros, do que um conjunto dividido em técnicas, constituindo um todo. Uma técnica fluía suavemente para a outra. A técnica anterior determinava a abertura para a seguinte. Sensei não tentou ser espetacular. A técnica não era para ele o objetivo em si. Servia para comunicação com o parceiro. Era um exercício de contato constante. Cada movimento de um causava uma reação no outro. A comunicação não deveria ser quebrada.
Yamaguchi-sensei era muito rigoroso com seus melhores alunos. Deles ele exigia mais do que tudo. Eles tiveram que trabalhar mais pesado. Ele era rígido, mas pensava no futuro deles. Endo-sensei relatou que depois de dez anos praticando Aikido teve uma grave lesão no ombro direito. Um dia ele encontrou Yamaguchi-sensei no café e ele o questionou: "Você pratica Aikido há dez anos, mas agora é capaz de usar apenas um braço. O que fará?" Movido por essa questão, Endo-sensei passou a praticar quase que exclusivamente sob sua orientação. Só então ele entendeu que Yamaguchi-sensei praticava de forma completamente diferente dos outros professores, e era exatamente essa diferença que mais lhe atraía. O mestre disse a ele: "Mesmo que você não entenda o que eu sugiro, confie em mim e sacrifique os próximos dez anos". Dez anos pareciam uma eternidade, mas Endo-sensei confiou nele e seu Aikido foi submetido a uma transformação completa. O lugar mais importante, além do Hombu Dojo, onde o Yamaguchi-sensei ensinou foi o Zoshukan Dojo, no bairro de Shibuya, em Tóquio. Era um templo xintoísta onde se praticava Kendo, então não havia tatames ali. Apenas os alunos mais importantes praticavam lá. A falta de tatames fazia com que mesmo durante as quedas fosse necessário manter concentração total. Ainda assim, as técnicas eram executadas em velocidade. Só se reduzia a aceleração nas projeções. Isso garantia um auxílio ao Uke para completar a queda usual. Esta forma de trabalhar significava que cada momento de ação era essencial, a concentração não poderia ser quebrada nem por um momento. O trabalho árduo de todos produzia laços profundos. Mesmo os maiores professores de Aikido ganhavam pouco, então no final do ano os alunos mais próximos de Yamaguchi-sensei arrecadavam dinheiro para ele. Este era um gesto simbólico, mas com uma dimensão material.
Yamaguchi-sensei, em função de seus hábitos, passou a ter úlceras intestinais. Seu médico recomendou uma operação e afirmou que ele poderia permanecer ativo por mais vinte anos. Yamaguchi-sensei acreditava, no entanto, na ordem natural das coisas. Ele não se decidia por passos radicais. Sentiu que iria lidar com isso. Supostamente na véspera de sua morte ele participou de uma demonstração de Aikido. Três Uke o atacaram. Após a demonstração, o Sensei teve problemas respiratórios e sentiu-se mal. Ele voltou para casa a pé. Lá ele morreu durante o sono em 24 de janeiro de 1996.
Seu Aikido, embora fugaz, teve uma grande influência em muitos professores notáveis da atualidade, e na imagem atual desta arte marcial. Ele foi um dos alicerces do Aikido moderno, embora não seja universalmente reconhecido. Suas realizações são consideravelmente maiores do que sua popularidade. Não conhecemos o autor, embora muitas vezes o conheçamos por meio de sua obra. Afinal, suas técnicas pareciam impossíveis de transmitir. Por que não morreram junto com ele? Porque deixaram uma marca permanente naqueles que tiveram a sorte de entrar em contato com sua arte.
Este artigo apareceu na décima edição do Budojo (6/2004)
Publicação eletrônica com o consentimento dos editores.




